20 de fevereiro de 2007

Carnaval de Quando era Pequena

Uns dias antes, a minha mãe e a avó Guilhermina juntavam-se para fazer as filhoses.
As filhoses eram amassadas num alguidar de barro. Era uma operação de grande esforço físico. Depois da massa ter tendido, retiravam-se pequenas porções e,com rolos da massa, ia-se esticando esticando esticando até ficar bem fininha. Eu ajudava com um pequeno rolo da massa, que o avô Manel me fez. Com uma cartilha (um pequeno objecto de madeira, constituído por cabo e uma roda) abriam-se rasgos na massa, que era finalmente frita, ficando com aspecto de um novelo.
A esta iguaria juntavam-se outras: os pastéis de grão, o arroz doce e canudos. Acho que não vejo canudos desde a infância. A minha avó moldava esta iguaria nos canudos que antigamente as mulheres usavam para ceifar. Qualquer coisa que me lembrava uma vaga armadura de bambu para enfiar nos dedos.
O Carnaval era, por isso, a época mais deliciosa do ano. Mas tinha outros atractivos, sendo o principal o facto de uma miúda poder vestir roupas de adulto e andar com a cara pintada.
Tive fatos de Carnaval memoráveis: o de varina, com um chapéu forrado a flanela preta e um pompom, e com um aventalinho, cujos bolsos, eram dois corações; o de espanhola, que consistia num vestido de chita vermelho com pintinhas brancas, com uns vagos folhos, e que combinava com um xaile-mantilha feito com o ponto das rosinhas-de-portugal, tão em voga nos anos 80. Houve um ano que me vesti de noiva, com o vestido que fora da minha madrinha, tiara e flor-de-laranjeira e tudo.
Talvez já nessa altura houvesse bruxas, princesas, homens-aranha, super-homens, zorros e outras coisas. Mas duvido que algum desses fatos tivesse o aspecto pindérico de que todos os fatos de carnaval de criança agora padecem. Algo que me lembra um desfile de palhaços tristes de um circo decrépito, como aquele circo que ia deixando morrer tigres e leões à fome.
Em Cabrela, à noite, os miúdos organizavam-se em trupes e tapavam a cara com caraças (o professor do ciclo proibiu-nos de dizermos "caraças", única palavra que conhecíamos para "máscara" e que não usávamos como eufemismo de "caralho!"). Nessa figura, percorriam as casas e os quintais. Como estávamos nos anos 80 não havia grandes perigos e podia-se livremente e encapuçado pregar sustos e pedir filhoses.
Era um Halloween fora de época, numa altura em que o Halloween ainda não chegara a Portugal e, muito menos, à mercearia da Toinha ou à leitaria da Casimira Plei.
Havia estreletes e bombinhas de Carnaval e isso eu deplorava. Também não achava grande graça às serpentinas e aos papelinhos (que ainda não tinham mudado o nome para confetii). Também não fazíamos decorações tão giras na escola como as do Natal.
Mas as filhoses, os pastéis de grão, a possibilidade de andar de cara pintada: isso tornava o Carnaval a verdadeira e única festa que merecia ser celebrada.


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