15 de setembro de 2007

A corrente

Diz que a blogoesfera portuguesa tem sido animada por uma corrente: Dez Livros Que Não Mudaram a Minha Vida.
Tenho pensado: mas será que sou capaz de me lembrar de dez títulos de livros que não me aqueceram, nem arrefereceram (supondo que é isso que quer dizer "não mudaram a minha vida")? Podia ser a corrente "Dez Livros que Não Tive Paciência de Ler"; "Livros que não consegui ler quando andava na escola secundária, mas que afinal são extremamente divertidos"; "Livros de que gostei muito e que acho patetas passados cinco anos". Enfim, as variáveis e combinatórias poderiam ser muitas outras.

A corrente lembrou-me uma coisa que li n' A Troca do David Lodge. Na sua estadia em Euphoria, Philip Swallow é convidado para um jantar, acabando por propor aos demais convivas que joguem um jogo por si inventado e chamado Humilhação: «A essência da coisa é: cada um indica um livro que não leu, partindo do princípio que os outros o fizeram, e marca um ponto por cada pessoa que efectivamente o leu.» [A Troca, 2ª ed., Colecção Asa de Bolso, pp. 167-169]. Um dos convidados recusa-se a jogar até ao momento em que, repentinamente, resolve revelar que nunca leu o Hamlet. Os outros convivados recebem a notícia com escândalo: afinal é uma obra do cânone que não foi lida por um professor de literatura inglesa!
Não há um sistema de pontos na corrente ao que saiba. Julgo que ela terá um propósito mais lúdico do que de (auto)-humilhação. Espero que ela seja animada por um objectivo auto-irónico. Temo que sejam apenas os literatos a dizer: "oh, afinal não gostei desta e daquela obra fundamental para a cultura ocidental". Se é assim: não gostaram porquê? O que é que os levou a persistir na leitura?
Quando vejo os literatos a falar fico sempre muito assustada: como é que conseguem ler tanto, senhores? Expliquem-me. Como é que conseguem ler tanto e escrever tanto? E ainda ter vida social? De quantas horas é o vosso dia? Qual é a velocidade da vossa leitura? Como é que conseguem?
Se um livro não me aquece nem arrefece, deixo-o a meio. Fico na página 150. Pode o livro ficar meses a fio na mesa de cabeceira, criando pó, levando com outros livros em cima. Mas não o leio. Outras vezes acontece o seguinte: não consigo ler o livro. Ele resiste-me e eu arredo-o. Passam-se meses e volto a pegar-lhe - descubro, então, que amadureci para o livro e não consigo largá-lo se não o terminar. Gosto de adormecer a ler. As letras ficam moles, as palavras retorcidas na página. Dobro os cantos das folhas. Acordo com marcadores de livros no meio da cama. Às vezes, passado muito tempo, consigo localizar numa dada página, uma dada passagem que me pareceu interessante.
Nomear dez livros que não mudaram a minha vida, seria nomear dez livros que não acabei de ler.

3 comentários:

Anónimo disse...

Porque é que as pessoas escrevem blogues? Será que as suas vidas são assim tão interessantes? Não seria melhor tentar a jardinagem?

Maria Filomena Barradas disse...

Pelos vistos porque há leitores que os lêem e que os comentam :)
De qualquer forma, não tenho talento (nem jardim) para a jardinagem. :)

Anónimo disse...

O que ainda acho melhor do anónimo 1º, é considerar que escrever blogues, é algo, digamos, fazendo uma interpretação das suas palavras, absurdo, fútil, desnecessário. No entanto, registou um comentário a algo absurdo, fútil e desnecessário! Que vida mais cheia a sua. brindemos com 3 vivas à sua interesante vida.
Faço-te um favor 1º anónimo, deixo um link para te inscreveres num curso de jardinagem: http://www.isa.utl.pt/home/node/1255
e não precisas agradecer.