23 de dezembro de 2010

Crónica Embrulhada em Natal


O Natal de quando era pequena não tinha Pai Natal. Julgo que ele chegou a Portugal já nos anos 80, trazendo Barbies e Pinypons, coisas que nunca me atraíram muito. Antes de haver as Barbies, havia as Tuchas (que aparentemente são hoje um colectible apreciado, se tivermos em conta os resultados do Google e o facto de haver páginas do Facebook a ela dedicadas) e pouco mais. Lembro-me de uma vez ter posto o sapatinho na chaminé da casa da avó Guilhermina (vivíamos todos lá em casa, eu, os meus pais, o meu padrinho e os meus avós) e no outro dia, misteriosamente, ter lá aparecido o livro Anita no Jardim, primeira obra literária que me ofereceram. Provavelmente haveria outras coisas – sombrinhas de chocolate Regina, e outras coisas assim, modestas.
Nesse tempo em que não havia Pai Natal quem trazia as prendas era o Menino Jesus. Não sei como é que ele conseguia, sendo pequenino e estando numa manjedoura, rodeado de animais para se aquecer, sem uma thermotebe, sem uma mantinha, sem nada. No entanto, o facto de eu achar que o Menino Jesus era português justificava tudo – afinal os pais, que tinham nomes portuguesíssimos, Maria e José, tinham vindo da Nazaré, onde havia barcos de pescadores e mulheres com sete saias, como se via nas fotografias a preto e branco, que a minha avó guardava e que tinham sido tiradas numa excursão feita há muitos anos atrás, e ele, Menino Jesus, nascera em Belém, no exacto mesmo sítio de onde haviam de partir naus e os vascos da gama.
Não só o Menino Jesus trazia prendas, como também as recebia dos Reis Magos, que lhe traziam ouro, incenso e mirra. O ouro, vá, se calhar era algum fiozinho ou uma pulseirita com uma medalhinha dizendo “Lembrança de Padrinho”. Mas incenso e mirra? Para quê? Perfumar o estábulo? Talvez os pais do Menino Jesus achassem piada a essas coisas e considerassem o incenso sempre ajudava a alinhar os chakras, mas tenho para mim que o Menino havia de preferir muito mais receber berlindes, carrinhos de corda, bombocas ou a Minha Agenda RTP, porque viria a ser uma pessoa cheia de compromissos.
A verdade leitores, é que só é Natal quando somos o Menino Jesus pequenino, no colo da mãe e do pai. Ou quando somos Maria e José embalando Menino Jesus pequenino. No entretanto, brincamos ao Pai Natal: e trotando pelo centro comercial, compramos e gastamos, porque só assim seremos felizes. Ohohoh. Se nos distrairmos, a China, sempre atenta às oportunidades de negócio, ainda começa a produzir e a comercializar em larga escala efígies de cada um de nós para pendurarmos nas nossas janelas e chaminés – pareceremos invertebrados e assaltantes ou suicidas falhados; no entanto, ficaremos muito decorativos nas fachadas. 

(Webletter do DCESH/ESTG-IPP, Dez. 2010)

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