16 de outubro de 2011

Não, não precisamos de um Salazar

 

Em 1759, Voltaire publicou a sua opus magna Candide, ou O Optimismo. Voltaire ficara impressionado com o terramoto que destruíra, quatro anos antes, a cidade de Lisboa e que demonstrava, com clareza, que nem tudo é pelo melhor no melhor dos mundos possíveis. Numa população crente e devota, como era a portuguesa do século XVIII, um terramoto seguido de tsunami no Dia de Todos os Santos, quando as igrejas estava apinhadas de gente, só poderia parecer castigo divino. E Deus, como se sabia, era bom. Portanto, havendo um terramoto e sendo Deus bom, isso só poderia ser justificado porque tudo era pelo melhor no melhor dos mundos possíveis.

Este tipo de raciocínio é parecido com aquele que nos vem sendo apresentado desde que o Triunvirato (a gente imagina Romanos de sandálias a entrar na cidade, tirando os elmos emplumados, preparando-se para governar, soltando epigramas latinos a cada abertura da boca) aterrou em Lisboa (infelizmente não chegaram numa quadriga). É preciso austeridade, porque a austeridade vai-nos salvar a todos e ao capitalismo, porque o capitalismo é o melhor dos mundos possíveis.

Em 1989, assim parecia. O Bloco Soviético caía. A gente do leste descobria o que era a democracia, a coca-cola e um Big Mac.O Ocidente exultava. Estava maior; queria expandir-se mais. Expandia-se, inclusivamente, para a terra remota de Portugal, norte de África em solo europeu, com gente dada a fatalismos, tristezas, crises.

Mas em 1989, a crise portuguesa não sangrava. Recebera muitos muitos muitos muitos dinheiros europeus, que foram como um penso rápido no dói-dói. A gente rapidamente se esqueceu que era pobre. Agora estava rica, rica. E esse era o melhor dos mundos possíveis. Os bancos emprestavam e a gente comprava carros e ia de férias à República Dominicana. O capitalismo era mesmo o melhor dos mundos possíveis.

Foi assim até há uns meses. Depois chegou a crise. A gente não sabe bem porquê. Mas tínhamos algumas saudades, admitimos. Dizem que a crise foi feita pelo sistema financeiro. O mesmo que nos emprestou dinheiro e fez de nós ricos-pobres. Dizem que para ultrapassar a crise é preciso pagar mais impostos, trabalhar mais, deixar de ter férias, deixar de ter Natal, passar mais frio no Inverno. Mas essas coisas são precisas, porque tudo é pelo melhor no melhor dos mundos possíveis, que é este: democrático e liberal.

Tal como o herói de Voltaire, há um dia em que o Cândido Povinho percebe que nem tudo é pelo melhor no melhor dos mundos possíveis.

Resta saber se é capaz de fazer o seu jardim crescer, ou se prefere entregar - como antes - essa tarefa a alguém, demitindo-se de si mesmo.

Não, não precisamos de um Salazar.

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