21 de maio de 2005

The Pillow Book meets O que diz Molero


"(...) há um súbito cheiro a jasmim trazido pela brisa inesperada, um súbito olhar límpido de mulher num súbito terraço, uma bola amarela de criança que vem devagar tocar-nos nos pés, qualquer coisa de violino, ou qualquer coisa de harpa, que vem de qualquer coisa que é noite, ou apenas silêncio, uma luz filtrada de pausa em certo fim de tarde, o mar que chega à praia deste peito, a onda que se estende quando chega, um cisne sem lago subindo o colo daquela mulher, ou a sua nudez ansiada como espuma de carne num lençol, a curva a que a mão dá o contorno, o cansaço nos lábios mordendo o cigarro, a amplidão de repente feita olhar, um grilo vem dos nossos campos de outrora e canta na noite, o sabor do café na manhã clara, uma saia que roda e faz fru-fru, a luz que rompe, rindo, na face suja, alguém recupera música esquecida assobiando, a madeira velha larga um odor de tudo o que apetece voltar a ter, um amigo chega, bate à porta e lembra-nos o que somos, uma frase atirada ao acaso dirige-se directamente ao coração de alguém, há uma gare que se percorre o tal abraço, um pedaço de relva enrola-se nos dedos distraídos, um barco ao longe está parado e leva-nos, é de um verde tropical o cenário que te enfeita, faço áleas de repente por saber que vens aí, e é como passear galeras ou palmeiras, ou alegria, ou esta primavera alvoraçada, este encontro marcado, fonte e folha, brotas da geometria de um canteiro, o espaço exacto, há uma gota de orvalho no teu ombro, a gota de orvalho que há no teu ombro reflecte tudo o que é puro, matinal, tudo o que é puro e matinal em mim, embora eu já nem saiba como hei-de dizer tudo isto." Dinis Machado, O que Diz MoleroPosted by Hello

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