Cara leitora emancipada, leitora que cortaste as peias que te tolhiam os movimentos e que te amarravam a um destino de domesticidade, leitora que pugnas pela paridade dos géneros, perdoa que te confesse – e que o opróbrio me cubra já! – mas para mim, um dia perfeito é a arrumar a casa.
O quê? Achas isso bizarro? Achas que uma mulher como eu, que escreve estas prosas, que tem sempre na ponta da língua um dito espirituoso, que é, como tu, emancipada e livre e inteligente, não deveria confessar o seu apreço por uma actividade que parece apenas sublinhar a inferioridade de género?
Pois, leitora, explicar-te-ei este meu gosto.
A minha avó e a minha mãe ensinaram-me desde a mais tenra infância os preceitos do arrumar a casa, do tratar da roupa, do fazer a comida. Isso nunca me impediu de, em simultâneo, ler os livros que me apetecia, de brincar na rua até às horas que queria, ou de ter muito prazer em aprender coisas na escola. Não raro, dava respostas tortas aos mais velhos e era apelidada de “malina”.
Às vezes, fazia as pequenas tarefas que me davam sem ser opiniosa. Ora isso, constituía um grave problema, já que qualquer trabalho devia ser feito com esmero, esforço e no sentido da perfeição.
Estas pequenas lições, leitora, são importantes. Quantas vezes não nos descuramos no nosso dia a dia! Quantas vezes não nos preocupamos, nem somos opiniosos! O resultado? Enfim…
Ter a casa arrumada é para mim a prova provada de que sou emancipada porque sei tratar de mim.
Por isso, ao sábado à tarde, quando a casa respira paz e tranquilidade, quando os lençóis cheiram a lavado, quando não há rolos de pêlos de gato rebolando pelo pavimento, como palha nas cidades fantasmas do velho oeste americano, sinto uma grande felicidade dentro de mim: preparo um gin tónico, acendo um cigarro, afundo-me no sofá e começo a laboriosa tarefa de sujar a casa de novo. Falta uma semana para voltar a limpá-la e pô-la em ordem. Até lá, deixarei que um caos controlado se instale.
Como poderia ser de outra forma?
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